Reforma tributária vai esvaziar Simples Nacional e lucro presumido, elevar carga de serviços e empurrar milhares de pequenas empresas para o lucro real em busca de crédito, competitividade e sobrevivência.

Reforma tributária cria IVA com IBS e CBS, esvazia Simples Nacional e lucro presumido e empurra milhares de empresas para o lucro real.

LEGISLAÇÃO E DIREITO

Carla Teles

12/11/20257 min read

Reforma tributária cria um IVA com IBS e CBS iguais para todos, tira vantagens ocultas de Simples Nacional e lucro presumido e muda a lógica da competição entre empresas.

A reforma tributária brasileira não vai mexer só com alíquotas e nomes de impostos. Ela tende a mudar a forma como milhões de negócios escolhem seu regime fiscal e como se posicionam no mercado. Na prática, Simples Nacional e lucro presumido continuam existindo na lei, mas perdem grande parte da força competitiva que têm hoje à medida que o novo IVA, formado por IBS e CBS, passa a concentrar a tributação sobre o consumo de maneira uniforme. Isso significa que a velha “escadinha tributária”, começar no Simples, migrar para o lucro presumido e só depois encarar o lucro real, deixa de fazer sentido para uma fatia importante das empresas, principalmente de serviços e B2B. Com o imposto sobre consumo ficando igual para todos, Simples Nacional e lucro presumido deixam de ser sinônimo automático de pagar menos e passam a ser apenas mais uma peça num jogo em que crédito de IBS e CBS e estrutura de custos vão decidir quem sobrevive.

Simples Nacional, lucro presumido e lucro real: como a lógica funciona hoje. Hoje, o Brasil tem cerca de 18 milhões de empresas enquadradas no Simples Nacional, algo em torno de mais de 80% dos CNPJs ativos. Isso não é por acaso. O Simples oferece dois ativos valiosos para o pequeno empresário: menos burocracia e um benefício econômico implícito. Dentro da alíquota única do DAS, estão embutidas parcelas de ICMS, ISS, PIS e Cofins menores do que normalmente seriam devidas no regime “cheio”, o que torna o regime muito atrativo.

Já o lucro presumido virou a rota natural de quem estoura o teto do Simples, mas ainda não está pronto para o lucro real. É especialmente importante para empresas de serviços, porque hoje a combinação de PIS e Cofins no modelo cumulativo, em torno de 3,65%, representa uma carga bem mais leve do que os cerca de 9,25% do regime não cumulativo. Em outras palavras, muita empresa de serviço só se mantém viável porque está no lucro presumido.

O lucro real, por sua vez, é o regime tecnicamente mais justo: o imposto incide sobre o lucro efetivo, não sobre faturamento ou margens presumidas. Em teoria, ele permitiria pagar menos, principalmente para negócios com margens apertadas.

Mas, na prática, o custo de compliance afasta a maioria dos pequenos e médios. Exige contabilidade completa, apuração detalhada, registro de despesas dedutíveis e uma boa estrutura contábil. Resultado: só empresas maiores, mais maduras e organizadas se arriscam a usar tudo o que o lucro real oferece.

O que muda com o novo IVA, IBS e CBS?

Com a reforma, o Brasil caminha para um IVA dual, formado por IBS (imposto compartilhado por estados e municípios) e CBS (contribuição federal), destacado nas notas fiscais, sem cumulatividade e com crédito financeiro amplo. A lógica é simples e dura: imposto sobre consumo igual para todos, independentemente do porte da empresa ou do regime tributário. As projeções indicam uma CBS na faixa de 9,25% e um IBS em torno de 18%, somando algo perto de 27% de carga sobre bens e serviços em muitos casos. É um imposto alto, e o mais importante: ele passa a ser visível e destacado na nota, inclusive para quem está no Simples, na modalidade “híbrida” prevista pela Lei Complementar 214.

Nessa configuração, a principal vantagem escondida do Simples Nacional – o consumo menos tributado via DAS – tende a desaparecer. Mesmo permanecendo no regime simplificado para IRPJ, CSLL, INSS e outros tributos, o empresário passa a operar o IBS e a CBS no mesmo patamar dos grandes, sob o mesmo IVA.

Por que Simples Nacional e lucro presumido perdem força

Hoje, quem está no Simples consegue vender para empresas maiores sem “prejudicar” o cliente: a legislação permite que quem está no lucro real tome crédito integral de PIS e Cofins mesmo comprando de fornecedor do Simples, que na prática pagou menos imposto embutido no DAS. É um crédito fictício, mas extremamente vantajoso para o fornecedor pequeno.

Com o IVA pós-reforma, o crédito do cliente passa a ser limitado ao imposto efetivamente recolhido pelo fornecedor. Se o fornecedor estiver no Simples e não destacar IBS e CBS, entregará menos crédito tributário para o comprador. Em mercados B2B, isso tende a ser mortal: o fornecedor que não gera crédito cheio perde competitividade versus quem destaca IBS e CBS integralmente.

Simples Nacional e lucro presumido deixam de ser regimes “baratos por natureza” e se tornam, em muitos casos, um peso competitivo.
Para continuar jogando o jogo B2B, o pequeno terá de, pelo menos, aderir ao Simples híbrido, destacando IBS e CBS na nota, ou considerar a migração para o lucro real. O lucro presumido, em especial, perde praticamente tudo o que o tornava atraente. Sem PIS/Cofins cumulativo de 3,65% e com CBS não cumulativa em 9,25% mais IBS em cerca de 18%, a carga explode. E como não há o mesmo ganho em créditos que no lucro real, o regime fica espremido: burocracia não tão simples, carga não tão baixa.

Setores de serviços e B2B: onde o impacto é mais forte

Quem mais tende a sofrer com essa nova ordem são os setores intensivos em serviços e com pouca despesa que gera crédito: tecnologia, marketing, consultoria, educação, saúde, estética, TI, entre outros.

Essas empresas:


Pagam hoje PIS/Cofins em regime cumulativo mais baixo, o que favorece o lucro presumido.
Têm poucos insumos físicos, pouca compra de mercadorias, pouco gasto com itens que geram créditos relevantes de IBS e CBS.

No cenário pós-reforma, a CBS sobe para a casa de 9,25% e o IBS para algo em torno de 18%, com uma base de crédito limitada, porque a estrutura de custos não muda da noite para o dia. A conta é direta: a carga pode mais que dobrar em muitos casos, enquanto o espaço para compensação é pequeno.

Para empresas B2B, que vendem para outras empresas que tomam crédito, a equação é ainda mais dura. Fornecedor que não gera crédito cheio passa a valer menos. E isso empurra negócios de serviços para uma escolha incômoda: Ficar no Simples Nacional e lucro presumido e perder competitividade.
Ou migrar para o lucro real, assumir maior custo contábil, mas maximizar créditos de IBS e CBS e tributar apenas o lucro efetivo.

Onde ainda faz sentido ficar no Simples Nacional

Nem tudo é tragédia. Nem todo negócio será expulso de Simples Nacional e lucro presumido da mesma forma. O impacto é bem diferente para quem atua majoritariamente no B2C, vendendo para consumidor final. Salão de beleza, padaria, restaurante de bairro, oficina mecânica local, pequenos comércios que vendem diretamente para pessoas físicas e quase não lidam com empresas que tomam crédito de IVA tendem a continuar encontrando valor no Simples. Nesses casos:

  • O cliente final não aproveita crédito de IBS e CBS.

  • A burocracia menor do Simples Nacional continua sendo um diferencial real.

  • A sensibilidade do cliente é ao preço final, não ao crédito tributário.

Nesses segmentos, Simples Nacional e lucro presumido ainda podem se manter competitivos, especialmente para empresas menores e focadas em atendimento local. Mesmo assim, a análise terá de ser mais fina do que hoje: peso da carga sobre consumo, composição de custos, margem de lucro e perfil da clientela precisarão entrar na conta.

Por que o lucro real passa a ser o “novo normal” para milhares de empresas

Quando o IVA se torna igual para todos e Simples Nacional e lucro presumido deixam de concentrar vantagens sobre o consumo, a pergunta-chave muda. Em vez de “qual regime paga menos por definição?”, a dúvida passa a ser:

Qual regime me permite recuperar mais créditos e pagar imposto sobre a base mais justa possível?

Nesse novo ambiente, o lucro real deixa de ser um “bicho-papão de grande empresa” e começa a aparecer como ponto de equilíbrio para muitos negócios. Motivos: No lucro real, a empresa tributa o lucro efetivo, o que é vantajoso para quem trabalha com margens mais apertadas.
Todos os créditos possíveis de IBS e CBS podem ser aproveitados, o que reduz a carga do IVA ao longo da cadeia.
Se o empresário já for obrigado a destacar IBS e CBS na nota para não perder competitividade, a barreira psicológica contra o lucro real diminui.

Na prática, muitas empresas vão acabar migrando para o lucro real não porque ele ficou barato, mas porque os outros regimes ficaram caros e perderam o diferencial. A escadinha “Simples → lucro presumido → lucro real” se desfaz, e o planejamento passa a ser: “qual combinação de regime e estrutura contábil me dá mais crédito, mais competitividade e menos imposto no fim do ano?”.

Como se preparar para a transição e não ser pego de surpresa

A reforma tributária terá fase de transição e só estará plena por volta de 2033, mas os primeiros efeitos do IVA aparecem já nos próximos anos, ainda com alíquotas simbólicas. Isso é pouco em valor absoluto, mas enorme em termos de sinal.

Para quem hoje está no Simples Nacional e lucro presumido, especialmente em serviços e B2B, o recado é claro:

  • Não dá mais para tratar regime tributário como detalhe burocrático.

  • Será preciso simular cenários com e sem migração para o lucro real, considerando créditos de IBS e CBS, margens de lucro e perfil dos clientes.

  • Organizar contabilidade, classificar despesas e entender o que é dedutível deixa de ser luxo e passa a ser condição de sobrevivência.

A reforma não pune apenas quem fatura muito. Ela penaliza, sobretudo, quem opera com margens pequenas e pouca gordura para errar. Pequenas e médias empresas que não se planejarem correm o risco de descobrir o impacto da reforma na prática, já com o caixa apertado.

E você, já começou a simular como a reforma tributária vai afetar sua empresa? Acha que vai continuar em Simples Nacional e lucro presumido ou considera migrar para o lucro real para se manter competitivo?